2016-03-16

O desporto em Vergílio Ferreira – o ténis em "Onde tudo foi morrendo" (1944)

O desporto em Vergílio Ferreira – o ténis em Onde tudo foi morrendo (1944)

Obedecendo ainda ao desenho neorrealista, o romance vergiliano Onde tudo foi morrendo contém suficientes atrativos que o fazem um objeto necessário. Não obstante o banimento a que o autor o votou da sua tábua bibliográfica imprimível, nunca o livro deixou de ser falado e desejado. Objeto de culto e de perquirições alfarrabísticas, a obra ficcional em análise, publicada em 1944 na apreciada coleção “Novos Prosadores” da Coimbra Editora, era já uma pedra do LIVRO que o romancista Vergílio Ferreira viria a escrever.
O desporto é uma compresença em Vergílio Ferreira, como havíamos visto com o primicial romance, onde o futebol fora matéria abundante. Agora é o ténis, atividade que acaba por separar as classes sociais em presença: João aprecia de longe a estranha dança do patrão Nunes correndo atrás da pequena bola “com uma coisa do feitio de uma pá” (p. 38). E chega a ser notável o pensamento interior discrepante do jovem João, apreciando o engraçado jogo: “Um de um lado, outro de outro e uma rede no meio como as que se põem à volta dos rebanhos!» (p. 38).

Ainda bem que mais para o fim do corrente ano poderão os leitores privar com este romance que até hoje tem estado quase inacessível!

2016-03-11

"Onde tudo foi morrendo" (1944), de Vergílio Ferreira


Onde tudo foi morrendo (1944), de Vergílio Ferreira

Depois de um caminho que se figurava longe, eis que a morte, tema recorrente em Vergílio Ferreira desde as primícias e irradiante até ao fim, invade o paratexto titular e explode de sentido – afinal, as mortes em Vergílio são sempre fundas e alteradoras dos equilíbrios sentimentais, avultando mortes de pais, mães, gente chegada e animais íntimos (os Tejos, os Mondegos,…). Perto, como ritos em eco, o absurdo da finitude alastra: “O pai morreu. João sabe que o pai morreu, porque tudo no mundo morreu e as vozes dos sinos dobrados enchem todo o mundo.” (p. 2)
E, no fundo, tais mortes, nomeadamente as dos pais homens, prendem-se com um certo autobiografismo vergiliano, como a presença, aliás, da diáspora americana (“Se o irmão mais velho voltasse da América… ¿ Mas o Joaquim volta lá da América…?”, p. 4.). Tais mortes são também cortes relacionais, afastamentos, arrefecimentos – afinal, a criança que Vergílio Ferreira fora sentira na pele a marca incisa da dissolução dos nós familiares.
Na disforia da condição humana, em posição equipolente à da inevitável morte, estão as doenças e correlatos sofrimentos: a tísica, por exemplo, devastadora de gentes e de sonhos. Tal devastação afasta a fé e a crença, levando as personagens ao isolamento que é insulamento. Sós, uma dura espera a todos instiga: “João não reza. Tinha rezado para que o pai não morresse. E o pai morreu. ¿Para quê, rezar?” (p. 101).
Uma outra morte era a morte na vida, a pobreza que levava à tragédia e ao sem remédio: “Mas agora começava a compreender que, lá na aldeia, aqueles homens negros, aquelas mulheres sujas, ressequidas, de seios achocalhados, tinham todos, mais ou menos, uma tragédia escondida, que, à luz do sol, se apagava ou mal se poderia perceber.” (p. 105)
E assim a vida é um curso onde tudo vai morrendo.

Viseu, 11 de março de 2016

Martim de Gouveia e Sousa

2016-03-05

Pensamento assistido: Aquilino Ribeiro


Assim ensina Aquilino. Concordante, calo-me:

"A vida é feita de contrastes e desequilíbrios.ligados por breves segmentos de rectas. Para um homem ser revolucionário numas coisas tem simultaneamente que ser conservador noutras. Assim me sucedia a mim."
(Aquilino Ribeiro, Um escritor confessa-se, Amadora, Livraria Bertrand, 1974, p. 205.)