2016-02-03

Imagens do desporto em Vergílio Ferreira: «O caminho fica longe»


Imagens do desporto em Vergílio Ferreira: O caminho fica longe

Escritor forte no cânone ocidental, Vergílio Ferreira dissemina pelas suas obras um saber múltiplo e enciclopédico. Ao jeito de Shakespeare, diga-se. E, de facto, ao olharmos a criação vergiliana, poucos domínios do saber terão ficado intocados pelo mestre do romance problematizante.
Ainda que o primeiro romance dado a lume enferme de uma «hesitação fundamental»[1], não deixa também de ser verdade que tais primícias são já um abundante exemplo do que atrás dissemos. Pense-se no desporto, por exemplo, e veja-se como o futebol é um dos ambientes coimbrãos que o nosso escritor estende na sua ainda hesitante tela:

Do campo de futebol sobe um bruá…á como de um mar e, à beira de Luísa, passam dois garotos que se desengonçam na caminhada, esfregando as mãos:
- Eh! pá! Hoje é que vai ser. São nove a zero, como ginjas…
Vaz vem apressado. Alcança Luísa:
- Passou bem?
- Como está você? Então? Ao futebol, claro…
- Pois… Não pode perder-se um desafio com o Benfica…
No campo estralejam palmas.
- Oh! Já estão a entrar em campo. Desculpe. Até logo!
- Vá lá, vá lá ao seu futebol. (p. 167)

E assim o futebol irrompe na primeira obra de Vergílio Ferreira, trazendo-nos, em simultâneo, uma personagem de nome Vaz, que a todos massacrava durante as refeições, «com lições demoradas» (p. 173) sobre esse desporto que deve ser também exercício de liberdade e construção.

Viseu, 3 de fevereiro de 2016
Martim de Gouveia e Sousa



[1] Vergílio Ferreira, Do mundo original (Ensaios), Coimbra, Vértice, 1957, p. 11. 

Sem comentários: