2016-01-30

CINEFILIA, RISCO & ESTRATÉGIA EM «O CAMINHO FICA LONGE», DE VERGÍLIO FERREIRA

CINEFILIA, RISCO & ESTRATÉGIA EM O CAMINHO FICA LONGE, DE VERGÍLIO FERREIRA

Sabendo-se do vezo cinéfilo da geração presencista, talvez por isso, e também pela ambiência coimbrã, tem desde há muito Vergílio Ferreira sido associado, precisamente por esta obra, à ficção do 2º Modernismo e da linhagem da presença. Trata-se de uma conclusão possível mas não única. Talvez o melhor termo para tal encontro seja o de cinefilia, pensando-se, por exemplo, que tanto José Régio como Vergílio Ferreira manifestaram nos respetivos escritos um amor à causa do cinema invulgar e indesmentível. Régio foi até abundante em textos apreciativos sobre cinema correndo por diversos órgãos de comunicação social. Vergílio, por seu turno, inunda os seus diários de atos judicativos a propósito de filmes e documentários. Tal sutura não me parece suficiente, no entanto, para defendermos que esta narrativa é presencista, com risco de sermos obrigados a dizer que o mesmo motivo em obras de Régio e outros compagnons é deriva vergiliana.
Como a maior parte dos filmes em sala de cinema, este O caminho fica longe contém na estrutura paratextual um «Intervalo». Só que, no caso, situado estrategicamente entre as «Primeira parte» e «Segunda Parte» e os momentos da «Terceira Parte» e «Um dia…».  Acontece assim tal momento de pausa: «As luzes acenderam-se e o filme parou.» (p. 183) E assim o nosso autor, ficcionista nascente, assume o risco de projetar todo o anterior trabalho de 180 páginas para uma ilusão outra que é a narrativa fílmica. Mas não só: no ínterim, e antes do recomeço do «filme», há ainda a indelével farpa sobre os inócuos críticos («E eu, que já conheço bem tudo o que vai seguir-se, adivinho perfeitamente a crítica do meu amigo ao resto da fita e uma vez mais me entristeço. ¿ Para que vim eu ao cinema?», p. 187.)
Cinefilia, risco e estratégia, eis a tríade de um escritor nascente. Quantos, quantos assim?

Viseu, 30 de janeiro de 2016

Martim de Gouveia e Sousa     

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