2012-07-09

Sobre "As crónicas do inverno" de Carlos Clara Gomes




Sobre “As crónicas do inverno” de Carlos Clara Gomes

Situado entre dois mundos cinzentos que estranhamente se encaixam, não fora a logo marginada primavera de abril, o plot textual (lírico, avassalador, pachequiano e atualíssimo) convoca uma tensão dramática entre um eu admonitório e um tu sofredor. A breve trecho, como no drama regiano, há um eu que é um outro e um outro que é um eu. Ninguém fica, de facto, de fora deste voo rasante sobre a memória, os lugares, os heróis e os cheiros. Todos dentro do fogo devorador, do tempo que não espera, eis que uma breve e súbita alegria irrompe do íntimo comum – finalmente, a possibilidade de sermos.
Com uma sintaxe insinuante e evocativa, o trabalho de Carlos Clara Gomes, superiormente coadjuvado instrumentalmente e na voz por André F. Cardoso, conduz-nos a um alto lugar. Da devastação e do opróbrio reinantes construirá cada um de nós um texto novo, porque cansados destes invernos que não procriam.
Está de parabéns a Fnac de Viseu, que permitiu que pudéssemos privar, no dia 8 de julho, pelas 16 horas, com uma representação tão necessária. Uma saudação especial à Companhia DeMente por este segundo incêndio na cidade de Viseu.
Como diria Günter Grass, e parafraseando um tanto um trecho inicial do seu Der Butt [O Linguado], cada eu é um eu “em todos os tempos”. Tal pregnância generalizante faz deste espetáculo uma obrigação, que chegará em breve, na terceira estação…  

Sem comentários: