2012-05-10

corpo no corpo

de olhos cerrados ilumina-se a pele
os flancos do sonho contra as espigas
o fogo devastando o íntimo de tudo
o coração tersa mola dentro do trigo
agitando-se desde as mãos candeias
aladas dedilhando a carne os ossos
os puros lugares todos os músculos
os órgãos movendo-se apressados
um intrínseco rumor de lâminas breves
os tendões moldando-se silenciosos
em tendões batendo a imagem do amor
nas costas batendo um feroz furor
levitando o corpo as suas amarras
encaixando-se mergulhando o possível
como na manhã o orvalho brilhando.

pele contra pele e corpo no corpo contra.

2012-05-09

ofélia

no meu corpo as águas
as reflexas tempestades
a súbita palidez da vida.

o musgo descendo a luz
proscrastinando o ocaso
a liquidez de tudo em mim.

eis-me folha corrente indo
mar impuro vagueando aí
na justa corrupção de tudo.

sobre a boca o trigo na mão
a mancha adjacente o medo
mordendo a noite inquieta...

persisto na chuva que sou.

2012-05-08

ascese

ascendo por fim
os ramos erectos
fendem-me a pele
elevando ao sol
este corpo declinado
na tarde encostado
ao calor das folhas
rumo a esta casa.

dos pés ao crânio
um corredor fundo
textura-se no sangue
inunda-se da linfa
fresca das manhãs
para comigo respirar
contra a palidez surda
no ar exposta assim.

um desejo ícaro de papel
mergulha na térrea morada
e regressa na língua viva
sobrevivente como signo.

esta a minha casa elementar.

2012-05-04

mitologia

a dimensão do engenho humano esmaga a natureza
e debruçada no vento uma árvore observa a criança
os fios de luz declinados na terra os abusos do tempo
a prescrição da ciência como impureza corrosiva...

dócil o aprendiz de sísifo segue a árvore de corpo pendido
enquanto o claro e nascituro chão se abre em puro sangue.