2012-12-26

[museologia]

não me falem da pedra de rosetta
dos mármores de elgin do tesouro
de oxus da máscara de tezcatlipoca
das esculturas amaravati e de tudo.

deixem-me com o funéreo barco
do sutton hoo com o homem de lindow.

no centro de tudo a pele a plena explosão.

2012-12-25

Natal em Londres

É Natal em Londres. Um breve raio de luz anuncia um país português que teima em existir, com todo o medo disso. Na Tate, Pedro Cabrita Reis ilumina o nosso orgulho. Ainda breves, são luz sem constelação os nomes de Vieira da Silva e Paula Rego. Um porto e um madeira talvez aqueçam a pequena festa. É Natal em Londres e não há sombra do mistério em Portugal, diz-me um corvo desasado sob espessa nuvem. Em Portugal haverá natal um dia?

2012-12-24

[no tamisa o coração]

há um fio rubro que nada no tamisa
lento abre-se à luz rodopia na água
e entra pela torre fabril da  alta tate.

um cavalo líquido afunda - é o sangue.

2012-12-23

[torre de londres]

[torre de londres]

da lapela da árvore onde dormem
um corvo e uma asa
escorrem para a neblina da manhã
esquecendo todo o sangue aí perdido.

não há perdão para o tamanho da injustiça
e só estas pedras ousam calar o sofrimento
que entram por íntimo poro até ao cérebro.

opaco todo o ardor se ouve ainda nesta mão
aqui onde todos os líquidos são escuro sangue.

2012-12-22

"O Natal em Londres" de Almeida Garrett



XXXV

O Natal em Londres

Anathema sit.
Conc. Trid.

Que Natal este! - sempre sois herejes,
                      Meus amigos Ingleses.
Bem haja o Santo Padre, e as suas bulas
                      De fulminante anátema,
Que excomungou estes ilhéus descridos:
                      Oh! nunca a mão lhe doa
- Ver na minha católica Lisboa
                       As festas de tal noite!
Sinos a repicar, moças aos bandos
                      Com a bem trajada capa,
E o alvo teso lenço em coca airosa,
                      Donde um par de olhos negros
Dão as boas festas ao vivaz desejo
                       Do tafulo devoto
Que embuçado acudiu no seu capote
                      À pactuada igreja!
Natal da minha terra, que lembranças
                      Saudosas e devotas
Tenho de tuas festas tão gulosas
                      E de teus dias santos
Tão folgados e alegres! Como vinhas
                      Nos frios de dezembro
De regalados fartes coroado
                      Aquecer corpo e alma
Com o vinho quente, com os mexidos ovos,
                      E farta comezana!
E estes excomungados protestantes,
                      (Olhem que bruta gente)
Sempre casmurros, sempre enregelados
                      Bebendo no seu ale,
E tasquinhando na carnal montanha
                       Do beef cru e insípido!
Pois os Christmas-pyes, gabado esmero
                        De sarmatas manjares!...
Olhem estas pequenas: são bonitas;
                         Mas que importa que o sejam
Se das Graças donosas praguejadas,
                         Rústicas e selvagens,
Nem dança airosa, nem alegre jogo
                         De divertidas prendas
Arranjar sabem, e passar o tempo
                         Em honesto folguedo.
Jogar um Whist morno e taciturno,
                         Sentar-se em mona roda
Junto ao fogão, fazer um detestável
                         Chá preto e fedorento,
Sem ar, sem graça... - Oh madre natureza,
                         Quanto mal empregaste
A formosura, o mimo, as lindas cores
                         Que a tais estátuas deste!

                           Londres - dezembro de 1823
[Lírica de João Mínimo]



2012-12-19

dos "Diários" de Al Berto - 14


"Pressinto que chove, algures, dentro do sangue." [p. 359]

No velho pátio da casa de infância a água da chuva desaba inclemente. Sobe dos pés à memória e infiltra-se no sangue rapidamente. Em breve, só uma recordação pisará a pele e disso uma mera pegada é indício. Todos os dias isto é o sangue, pressinto.

2012-12-16

dos "Diários" de Al Berto - 13


"às vezes sinto um grito subir de muito longe, dalgum lugar insuspeito, mas vivo e revoltado, de meu corpo." [p. 247]

Às vezes um grito emerge das páginas de Raul Brandão e Vergílio Ferreira, roendo-nos dias a fio num íntimo inexplicável. Na chuva da noite, nesse silêncio opaco elementar, cavam-se gritos como cafés cheios e vividos. Explodem nas mãos os rios, o sangue cruza as azinhagas e toda a morte é um sopro nos tímpanos. A um canto nasce ondulante um grito. Outro nasce neste silêncio que tão bem ouço. Tal a distância entre o que é e o que poderia ser.

2012-12-12

[o corpo aos peixes dou]


um grande peixe azul irrompe de clara víscera
e mineral observa a limpidez conatural da chuva
o frio ágil esgueirando-se na juntura da virilha.

toda a luz da noite que ressalta nos telhados
é aviso sibilino sobre os abismos que aí vêm –
as escamas na obliquidade dos líquidos fendem?

os olhos pestanejam contra ventos feros  bestiais
porque  não haverá coroa luminosa sem margens
assim desenhadas nas tuas costas  como rosas…

e de rosas um corpo de mulher me fende pende
do fogo um cristal fundente ilumina estes dedos
te tocam como na neve o fogo cicia o murmúrio.

agora morro de ti e nesta árvore expludo a morte.


2012-12-10

dos "Diários" de Al Berto - 12


"não me enganes
deixa que o voo da ave repouse no fundo do rosto" [p. 155]

Para mim as palavras voam e caem sobre as mãos declinadas. Cavadas na pele, torrentes de barro trabalham sem repouso à espera que tu moldes  este corpo. E tu sabes e não me enganas, porque este voo é um fio de aço de que não te libertarás. Como um ouriço na estrada o perigo não existe, se não souberes que o animal o é e que no asfalto sopram ventos animais.
No fundo do rosto, eis uma ave que repousa já - o coração nas mãos pulsa e queima todas as lágrimas. Eu agora um rio. 

2012-12-09

dos "Diários" de Al Berto - 11


"Aves de vidro entre a pele e as unhas." [p. 126]

Entre a pele e as unhas isto, um imenso rio de aves, todo o azul possível entrando nos pulmões e uma poucas nuvens de aço junto ao coração. Aí, nessa sombra, toda a virtude é possível, porque nenhumas portas o cercam. Aberto, o cerco não o é e os fios de luz, sempre libertos, correm no sangue até ao íntimo estuário em que propulsam.
Sem família, sem tribo a que pertença, não sei, como pensava Vergílio Ferreira, se a velhice é um sobejo. Mas acho que sim. E por isso que uma ave rediviva repouse nesta mão que estendo. Minha como tua, estendo. Fundo.

2012-12-07

O conhecimento da dor



O conhecimento da dor

Carlo Emilio Gadda (1893-1973) é um caso indesmentível de fulguração literária. Com valor universal, pois, não espanta a fácil aplicação de um trecho de “O conhecimento da dor” (1963) ao nosso caso atual (quando digo nosso, quero dizer deles, dos do “sacrossanto” poder corrupto e culpado do nosso estado que já não está…), quando o autor contextualiza assim o seu mítico país de escassos recursos Maradagàl:

“… considerando o facto de que eles já suportavam os impostos e eram obrigados a múltiplas contribuições, cuja soma total, em alguns casos, atingia  e, até, superava a valor do minguado rendimento que a propriedade rústica produzia, isto é, cada ano em quatro, quando não havia seca nem chuva persistente para dar cabo das sementeiras e das colheitas, nem as invadia toda a espécie de pragas.” [tradução de Nunes Martinho e Ernesto Sampaio (Carlo Emilio Gadda, O conhecimento da dor, Lisboa, Editora Ulisseia, 1966)]

Toda a espécie de pragas caiu sobre o nosso país. Por exemplo, Coelho e Gaspar, que não sabem quem é Gadda e não sabem a quem perguntar. O Pedro e o Vítor que fizeram de Portugal bem pior que Maradagàl. Até quando aguentar-se este conhecimento da dor?


2012-12-06

dos "Diários" de Al Berto - 10


A escrita é isto - um compromisso. Não ceder a nada, às solicitações fáceis, ao automático, ao parecer, ao rendoso. Nada fazer para a politiqueirice que acha que a escrevinhação é presa fácil, coisa desprotegida, objeto à mão. Antes um escarro na palma dessas mãos.
Nada fazer que não tenha que ver com esta ética. Não quebrar. Antes nas águas um tronco indo. E fecho a porta.

2012-12-02

dos "Diários" de Al Berto: 9


"sossegai Averno branco onde pouso a cabeça". [p. 84]

Sem dor particular, a avernal atração vem das unhas até ao lago cordial. Aí nos afundamos, nesse fogo constante de incandescência. No ombro de Averno descanso, transparente, branco. E por ti ardo. 

2012-11-29

Apresentação do livro "Sinais de Cinza - Estudos de Literatura" de António Manuel Ferreira



Na livraria Bertrand de Aveiro, no dia 1 de dezembro, às 16h00

Apresentação do livro Sinais de Cinza – Estudos de Literatura

A editora Opera Omnia acaba de publicar o livro Sinais de Cinza – Estudos de Literatura, da autoria de António Manuel Ferreira, docente do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro (UA). A obra é constituída por um conjunto de ensaios sobre as literaturas em língua portuguesa, e será apresentada na livraria Bertrand de Aveiro, no dia 1 de dezembro, às 16h00. Farão a apresentação do livro Fernanda Brasete, docente do Departamento de Línguas, e João Rocha, docente do Departamento de Química.

2012-11-28

dos "Diários" de Al Berto - 8


"do fundo dos dias vem o rasto dos répteis."   [p. 45]

Vistos daqui, todos os dias são assim: um espesso emaranhado de répteis na boca e uma lâmina marcando o seu fim. Lúcidos, na mão todos os cristais refulgem, toda a campanha mineral irradia e, no entanto, a dureza do azebre nos dentes estaca os pequenos fulgores, os prazeres nítidos.
Vem o rasto que tu não vês. Nítido na pele cava o seu ninho e o pressuroso fogo dos olhos amacia o contacto que não sentes. Assim o exercício da insensibilidade que persigo em todos os dias vistos daqui.  

2012-11-25

dos "Diários" de Al Berto - 7


"o mar abrindo gretas medonhas pela sombra azulada das paisagens." [p. 45]

A partir de agora é assim: um mar imenso rompendo o mundo e todos os líquidos escorrendo tintas viscerais. Das mãos os rios levarão a cal e da boca os impossíveis murmúrios levarão o sal ao impossível. Em breve, todo o enxofre ditará a lei e os corpos mera imagem de ruína serão. Aos pés o azul tomba a pique sobre o medonho abismo em que te deitaste.
Esquece, esquece agora o que não disseste e fizeste. Dorme, dorme apenas, como se fosses onda dentro do medo.

dos "Diários" de Al Berto - 6


"Não consigo dormir, não sei se algum dia conseguirei dormir." [p. 40]

É impossível desfocar-me das palavras e do seu fogo. Todo o cansaço oficinal desaparece perante esse breve murmúrio de algas que me alaga os olhos. Dormente, o corpo fragilizado pelo tempo rebenta nos lumes e convida a mais abismos. Não durmo. Este fogo rebenta-me nos dedos e quaisquer cedências serão indesejáveis imperfeições.
Nem sei mesmo se alguém está acordado. Chegará o dia em que os olhos mais abertos ainda serão sol. Não dormir. Estar assim neste abismo.

2012-11-21

dos "Diários" de Al Berto - 5


"pequenos insectos duros, como lâminas." [p. 40]

Como lâminas enfiadas meticulosamente na garganta, pequenos insetos duros entram pelas portas e bailam junto à pleura. Arfantes, os pulmões sopram a invasão e metabolizam a dor. Assim, toda a dureza amacia no sonho e em cada visão orgiástica lâmina a lâmina a noite declina. Sem temor, o dia irrompe nos dedos, no corpo que dedilho. Como lâmina, o corpo fende-se. 

2012-11-20

dos "Diários" de Al Berto - 4



“Sinto-o quente no lado de dentro da pele” [p. 39]
Todo o frio não há-de tolher este silêncio em que aqueço. Debruçado no avesso da pele, dos dedos brotam estes lugares de lume, estes pássaros esplêndidos como lâminas. Cortantes e silenciosas, as águas irrompem de uma fonte encostada ao coração. E não consigo outro ser que não esta acédia radical.

2012-11-19

"Gato num apartamento vazio" de Wislawa Szymborska


Gato num apartamento vazio

Morrer não é coisa que se faça a um gato.
Que há-de um gato fazer
num quarto vazio?
Subir às paredes?
Roçar-se nos móveis?
Aparentemente não mudou nada
e no entanto está tudo mudado.
Continua tudo no seu lugar
e no entanto está tudo fora do sítio.
E à noite a lâmpada já não está acesa.

Ouvem-se passos nas escadas,
mas não são os mesmos.
A mão que põe o peixe no prato
também já não é a que o punha.

Há aqui qualquer coisa que já não começa
àhora do costume,
qualquer coisa que não se passa
como deveria passar-se.
Havia aqui alguém que há muito estava e estava
e que de repente desapareceu
e agora insistentemente não está.

Procurou-se em todos os armários,
revistaram-se as estantes,
espreitou-se para debaixo do tapete.
Violou-se até a proibição
de desarrumar os papéis.
Que mais se pode fazer?
Dormir e esperar.

Quando regressar, ele vai ver.
Ele vai ver quando chegar.
Vai ficar a saber
que isto não é coisa que se faça a um gato.
Caminhar-se-á em direcção a ele
como que contrariado.
Devagarinho,
com patas amuadas.
E nada de saltos ou mios. Pelo menos ao princípio.

Wislawa Szymborska
(Tradução de Manuel António Pina)

2012-11-18

dos "Diários" de Al Berto - 3




“A casa é um compartimento do meu corpo”. (p. 33)

É do telhado que olho sobre as vísceras. Bem longe, os pés abrem-se ao dia  como a pele ao corpo. Nada que perturbe este imenso silêncio visceral. No coração, uma imensa biblioteca comanda os ritos sinusais. Uma lenta respiração encosta-se ao fígado. Renovado, o sangue inunda toda a casa.

Habito-a toda. Dos corredores dos braços ao rigor das nádegas há uma imensa sala de estar. É esta a história da habitação.

2012-11-17

dos "Diários" de Al Berto - 2


"li muito. agora já não." [p. 216]

Devorado pelo livros deito-me debaixo das chuvas e deixo-me arrastar. Não voltarei a ser um escravo daquele mistério que paira em volta, daquele silêncio interrogante que rói até ao cerne. Das aves pouco mais do que todos os líquidos em que vou.

Deito-me no tempo. Uma pequena dor fende os ossos do braço direito e a página escreve-se. Um ardor irrompe da chuva e traz-me o sangue, este livro que sou e já não leio.

2012-11-12

"Pessoa existe?" de Jerónimo Pizarro


Reunindo-se na obra um importante conjunto de textos disseminados por várias publicações periódicas, bem como alguns ensaios inéditos, alarga-se, com esta nova incisão de Jerónimo Pizarro no mundo pessoano, a bibliografia passiva sobre o nosso mais produtivo escritor de vida a haver. O título questionante do nosso mais consistente pessoano (impossível negar-lhe o título, penso) é líquido - ninguém tem Pessoa porque Pessoa não é um, é vários, em fragmentos se fazendo e refazendo...
  

2012-11-11

arrependimento


a ti chegado eis-me aqui só
entre a passagem e a criança
um íntimo desejo de dentada
uma palavra sugada todo o mal
na palma da mão esta estrada
que diz que assim não mais assim.

2012-11-10

dos "Diários" de Al Berto - 1


"A casa é um compartimento do meu corpo, é o quarto escuro onde guardo o esquecimento de tudo." [p.33]

e assim por cá abro todas as gavetas descendo ao avesso de mim, sendo-me no esquecimento, esquecendo que o esquecimento é um mar calmo.

nestas noites todos os pássaros são velozes, pois temem as chuvas que em breve desabarão nas vidraças abraçando-me toda a pele.

com al berto todo o poeta é poeta e todos os silêncios respiram.

2012-11-09

caçada

                                    a antónio josé forte


à passagem um véu de gente gritava
e de flores na boca as crianças aviões
pareciam assim tentaculares olhando.

quanto não vale o silêncio sobre a política (?)
porque aqui forte poeta aponta o abandono
a redução a “montão de cabeças petrificadas”.

e  a caça  aos ratos nem com pinças será inócua.

2012-10-30

António Correia de Oliveira sobre Carlos de Lemos


Em texto publicado na revista Beira Alta (Ano VIII, fasc. III, 3º trimestre de 1949), sob o título "Regresso ao Liceu", assim se refere António Correia de Oliveira ao fundador de Ave-Azul:

«o dr. Carlos de Lemos, o poeta das impecáveis paráfrases de Antero e da revista Ave Azul, com seus modos desprendidos de romântico." (p. 286) 

2012-10-21

"Camilo íntimo - Cartas inéditas de Camilo Castelo Branco ao Visconde de Ouguela"


Trazidas à tona viva do mundo pela brasileira Beatriz Berrini, este Camilo íntimo, com chancela do Clube do Autor, contém um prefácio assinado por A. Campos de Matos e um posfácio de João Bigotte Chorão.
Imperdível...

2012-10-20

depois de pessoa, pina...

há uma verdade nisto. a morte. não ser pessoa e sê-lo. uma clara poesia que é também prosa e campos. toda a poesia é pessoa. pina não morre ainda. ontem nunca aqui já.

2012-10-18

O DIA DE “MOBY DICK” É HOJE



O DIA DE “MOBY DICK”  É HOJE

Interessante imagem a do motor Google a lembrar que passam hoje 161 anos sobre a publicação da primeira edição do romance do americano Hermann Melville (1819-1891), vindo a lume primeiramente em Londres (1851), sob o título “The Whale”, e posteriormente em Nova Iorque, com a intitulação “Moby Dick, or The Whale”.
Trata-se, sem dúvida, de uma obra multímoda e riquíssima, que mereceria uma releitura. Como, aliás, o nemesiano “Mau tempo no canal” o mereceria. Lembro, a propósito, uma interessante relação que Eugénio Lisboa, no decurso de uma das suas aulas, traçou entre o romance de Melville e um outro de Montherlant.
Melville, Nemésio, Lisboa e Montherlant, eis quatro monstros num só dia dentro da noite…   

NADA: SOBRE OS NOVOS ESTRANGEIRADOS



NADA: SOBRE OS NOVOS ESTRANGEIRADOS

Nada resta do que fomos. Passos Coelho pode repetir que o governo não está para cair. Já caiu, todos o sabem. A tautologia é evidente: quem, afinal, pode cair sobre o que há muito jaz? Coelho não entende, até porque o seu mentor Relvas poderá saber muito de politiquice mas nada sabe do país, dos anseios das populações e do que realmente importa. Há mesmo duas cartas diretas de um grande estrangeirado (Eugénio Lisboa) ao primeiro-ministro que, não fossemos este país dissoluto, fariam corar de vergonha qualquer mortal.
Passos Coelho é imortal. Depois de matar o povo, foi cantar com a Nini e riu alarvemente sobre o sofrimento das pessoas; deu carta deletéria a Gaspar para a todos dizimar. Imortal, acha-se assim.
Eu amo os meus estrangeirados – o Infante Santo, Vasco da Gama, Luís de Camões, Duarte Pacheco Pereira, os célebres irmãos Gouveia, o Cavaleiro de Oliveira, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Carlos Malheiro Dias, Aquilino Ribeiro, Adolfo Casais Monteiro, Jorge de Sena, Júlio Resende, Eugénio Lisboa, António Franco Alexandre, Luís Miguel Nava, Rui Costa e tantos outros.
Há diásporas que denego. Aquelas que são nada. Sem causas e sem lutas, obrigam os poderes à fuga dos mais jovens. Sem nada de substantivo, os poderes escondem-se num país que já venderam ou refugiam-se noutro, sabedores dos maus ofícios prestados. De quem falo? É só olhar em volta. Eles mexem-se: fogem, entram, saem, vão à Roménia, fecham o Palácio de Belém… Matam e evaporam-se como vulgares assassinos. Sendo nada, ao nada voltarão. Urge. 

2012-10-17

MONÓLOGO DE PASSOS COELHO VENDO CHOVER EM PORTUGAL



MONÓLOGO DE PASSOS COELHO VENDO CHOVER EM PORTUGAL

 

Gabriel García Márquez haverá de ser lembrado pelas melhores razões. Possuidor de uma oficina efabuladora muito bem artilhada, as suas estórias prendem-se à pele e ficam connosco. Lembro-me, por exemplo, da poderosa narrativa breve “Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo” (1955), de que o título supra é clara deriva.

A desgovernação de Pedro Passos Coelho e todas as pessoas coniventes com o impossível afogamento do país haverão de ser lembradas pelas piores razões. Esta é uma outra história que se prende à pele e que desejamos esquecer. Quando esta gente já nada for, os manuais atirarão o seu legado para uma obscura nota de rodapé com a admonição de “nítido nulo”.

Como em García Márquez, há uma chuva que não cessa. Há mesmo um “barro líquido” que corre pelas ruas, arrastando “objetos domésticos, coisas e mais coisas, destroços de uma remota catástrofe, escombros e animais mortos”. Instalados na cegueira, os desgovernantes fingem ver o caminho. Não conseguem sequer vislumbrar o lodo em que enterram o país.

Ver é preciso, repulsar estes coveiros do abismo é uma necessidade.

2012-10-15

E TUDO FALHOU!...



E TUDO FALHOU!...

O homem veio de Chicago e falhou. Mecânico, lento, quase lerdo, trauteou uma canção que nos levou a isto. “Isto” é um enorme poema de Pessoa e nada tem que ver com isto. Isto existe: um total falhanço nas contas, um iniludível gamanço, um cortar por cortar porque cortar é fácil. Nos mesmos, nos que sofrem, nos que mal respiram.
Gaspar agiu, cortou, matou. Insensível, cortou. Terá um prémio como um vulgar filho de político. Haverá de estar ligado a uma grande empresa, como um pai Ângelo não há muito protegeu os afilhados Relvas e Coelho. A História fará história e a todos dizimará.
Não há alternativas, diz Gaspar. É inevitável, contrapõe o cultor de Nini, que nos trouxe aqui, porque quis e sabe o que quer.
Todos sabem o que não querem. No ínterim, há um palhaço de Chicago que cumpre um papel assinado em papel molhado com uns quantos golpistas do momento. Mas até quando, povo, que ouve “Acordai!” e não dorme… 

2012-10-11

[vícios]



extremo o vício tomba no prato
como vulgar fruto à mesa vindo
ou arquivo declinando o conteúdo.

ele nasceu do tempo das chuvas
das crepitações oblíquas das chamas
de todas as sedes nascendo da pele.

extremo o vício diz o teu nome.

2012-10-04

Estão para chegar os "Diários" de al berto


"Nem será preciso acender qualquer luz de vigia... eu morro com as paisagens."
[Al Berto, "Diários"]

2012-10-02

DIA MUNDIAL DOS PROFESSORES | COIMBRA | 15h30 | PRAÇA DA REPÚBLICA



DIA MUNDIAL DOS PROFESSORES | COIMBRA | 15h30 | PRAÇA DA REPÚBLICA
EM 5 DE OUTUBRO, SPRC HOMENAGEIA, TAMBÉM, UM EXEMPLAR PROFESSOR E CIDADÃO: RÓMULO DE CARVALHO!

Em 5 de Outubro comemora-se o Dia Mundial dos Professores. Na região centro, o SPRC/FENPROF vai homenagear um grande Professor e exemplar cidadão, de seu nome Rómulo de Carvalho.

A iniciativa terá lugar na Praça da República – que, nesse dia, deverá transformar-se em Praça dos Professores – a partir das 15.30 horas.

Na homenagem estarão presentes o filho de Rómulo de Carvalho, Frederico de Carvalho, Vice-Presidente da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos e Presidente da OTC (Organização dos Trabalhadores Científicos), bem como Manuel Freire, o intérprete maior da Pedra Filosofal, texto de referência do Professor Poeta António Gedeão.

Esta iniciativa que assinala o Dia Mundial dos Professores será ainda espaço para falar sobre a actual situação da Educação e dos Professores em Portugal e na Europa, tendo em conta que atravessamos um tempo de crise, de dimensões diversas, que teima em destruir um país por conta de ilegítimos interesses que têm, no governo, fiéis representantes.

Assim, estarão ainda presentes e usarão da palavra:

- Arménio Carlos, Secretário-Geral da CGTP, que se referirá à situação geral do país e dos trabalhadores portugueses;
- Mário David Soares, Professor, representante da CGTP no Conselho Económico e Social da União Europeia, que intervirá sobre a situação da Educação numa Europa em profunda crise;
- Mário Nogueira, Coordenador do SPRC e Secretário-Geral da FENPROF, que falará dos problemas, dos desafios e da luta dos profissionais docentes em Portugal.

No final, será aprovada uma Resolução dos Professores, a enviar ao Presidente da República, Grupos Parlamentares, Primeiro-Ministro e Ministro da Educação e Ciência. Entre outros aspectos, esta Resolução dos Professores incluirá os compromissos de continuação e elevação de uma luta que, sendo cada vez mais geral, é, já hoje, de todo o povo português.

2012-09-30

AO CONTRÁRIO DO QUE TEMOS: APRENDER COM ANTÓNIO OSÓRIO


AO CONTRÁRIO DO QUE TEMOS: APRENDER COM ANTÓNIO OSÓRIO

António Osório é um enormíssimo poeta. Diz assim o escritor, em entrevista a Carlos Vaz Marques para a última revista "Ler":

"Nós tínhamos uma casa muito jeitosa, que o pai arranjou em Setúbal, precisamente por causa da minha doença. Então ele - e muito bem, porque era uma pessoa culta - ao sábado de tarde (quando não tinha o cartório notarial), depois de almoço, num jardim muito simpático que a casa tinha, organizava uma sessão de poesia. Foi assim que conheci um bicho chamado Luís Vaz de Camões, que foi para mim uma revelação e com quem descobri a minha língua."

Infelizmente hoje já não há nada para descobrir. O país afunda a olhos vistos e toda a gente sabe que quem manda em Pedro Passos Coelho é o senhor Relvas e o Engenheiro Ângelo Correia; mais sabe que quem manda no governo é o plenipotenciário professor Borges, muito cedo dispensado do FMI por inadaptidão e incompetência.
Um governo que funciona assim nunca funcionou e só as ataduras dos interesses lhe permitem a ténue sustentação. 
As lições dos poetas ensinam a revelação e a descoberta. A solução está aí, na poesia que o povo quer.

2012-09-28

"Cenas de gaja" de Alda Pires



Havia umas cenas no meio de nós: sobre Cenas de Gaja de Alda Pires

Em busca de um caminho, haverá, talvez, a pedra de Drummond de Andrade. Mas também toda a efabulação dos perigos, com raiz, por exemplo, na voracíssima fábula do Capuchinho Vermelho. Agudamente aí, um ror de perplexidades espreitam nas Cenas de Gaja de Alda Pires.
Aqui fala-se do verdadeiro mundo, o mundo dos sonhos, que procura fugir ao cinzento do real até ao exato momento em que este, sem aviso, traz o sonho – a chegada do dia da revolução silenciosamente vinda; toda a memória dos tempos de praia e a explosão dos ritos sensitivos; a leveza dos corpos sexuais devorando-se sem mais até ao cansaço deceptivo; toda a aspereza da desinocentação dos seres; a labuta por uma certa dignidade; a viagem emigratória tão em voga pelo beneplácito dos governantes; a derrogação da masculinização de tudo através de um proposto “mundo ao contrário”; o desejo de mudar a vida na circunstância territorial pela revolta redentora…
Mas tudo isto é um sonho? Como em Calderón de la Barca, a vida é um sonho que começa no corpo e no dia que nasce. Assim estas Cenas de gaja de Alda Pires, poeta distendida, visivelmente marcadas por um “radical de apresentação” próprio do drama, na sua estrutura dialógica, na sua essência de possuidoras de uma transcodificação intersemiótica avaliável em sede de representação.
Mesmo sem os lindes da codificação integral, visíveis e analisáveis hoje in praesentia, na aguardada apresentação, avanço, sem receio, que estas cenas estão no meio de nós. E como não senti-las?   

2012-09-26

Ruínas



RUÍNAS

Há um sufoco em volta. Uma boca metálica, de riso verde, vai devorando as memórias, usurpando os melhores lugares. Não há mais lugar para o riso desinteressado, nem tão pouco um espaço para o debate isegórico – agónicas, as lâminas encostam-se à pele, fendendo o marfim dos ossos. O que resta do que fomos?
Como no poema* de António Franco Alexandre, a minha terra, “feita de sangue e ossos e / o vácuo chão da carne” (p. 8), declina como “terra negra, húmida de arbustos” (p. 7) para dentro de insondável abismo. A puridade dos nossos governantes, com a conivência de todas as instâncias supremas, sonegaram ao povo a sobrevivência e malbarataram até agora um ror de milhões no BPN – de tão avultada, a soma daria para quase uma dezena de pontes 25 de abril.
É do 25 de abril que falo. É desta manifestação de 29 de setembro. Eu falo do que falta fazer. Quem vem fazer connosco?   
______
*Óasis, Lisboa, Assírio & Alvim, 1992. 

2012-09-25

jan



[JAN]

animal um corpo contra a faca tomba
uma lâmina meticulosa instersticia-me
como certeira cobra nos seus líquidos
contra essas balas avanço em dezembro
de cada ano como declinação de tudo
e na boca uma chama inoportuna berra
cada nome que é o povo cada grito uivo
tal cão danado na inteireza de si no ar
perdes o fôlego em 1970 todas as facas
uma mão puta no gatilho a terra muda
anoitece no dia a luz da morte nos olhos
em todo o lado na mão a casa ardendo
o sangue na hora certa aí este fanal aqui
animal um corpo contra a faca tomba.

2012-09-24

"A Abadia do Pesadelo" de T. L. Peacock



‎A Abadia do Pesadelo de Thomas Love Peacock (1785-1866), mais conhecido por T. L. Peacock, é um delicioso romance de humor publicado pelo autor em 1818.

Trata-se de um originalíssimo exercício irónico, em jeito de tratado filosófico dialogado, sobre a erosão do artificiosismo romântico. Todo o jogo de personagens é fluido e conatural, adentro dos matizes deceptivos e típicos.
Prefácio, notas e tradução direta (notável!) são de Jorge de Sena; a capa é de Figueiredo Sobral; esta edição publicou-se em 1958. 
Lúcido humor este, em tempo de peste e de dúvida...

2012-09-23

sibylle



[sibylle]
tangentes duas pedras em mim caem
derrotadas as vísceras estão no chão
no rigor do sol todos os interstícios
são um estranho carnaval de dedos
uma linha na clavícula traz-me a paz
que guardo nas gengivas desta terra. 

2012-09-22

Odores



ODORES

Chega o outono, com os seus ritos. Há o cheiro disso, inegável. Da nossa vida, tão rudemente esbulhada pelos detentores decadistas do poder, à ficção todas as linhas são ténues, tudo ilumina a vulgar explicação dos dias – destes, que tão quentes e exuberantes têm sido, mostradores da falência dos partidos instalados nos lugares, nas sacrossantas decisões.
Chega o outono, e ele pressente-se como em narrativa breve de Gabriel García Márquez. É um conto – “A outra costela da morte” (1948) - que irrompe, certeiro: é um “cheiro acre a violeta e a formaldeído, forte e amplo”. É o estertor de um governo que quase todos repudiam. Nota-se-lhe o cheiro insuportável, arrogante, vindo da anterior legislatura e espalhando-se em angústia e pesporrência.
Apodrecido, o cheiro esvai-se como uma memória negativíssima. Não mais do mesmo, clama o povo. Será? 

2012-09-20

"Tempo de Guerra" de Vasco Pratolini



Tempo de guerra de Vasco Pratolini é um romance enorme, com todas as boas armadilhas que fazem da literatura o nosso lugar. Dito pelo autor um protesto, um diário sentimental ou um documento, o romance narra o percurso formativo de um jovem de nome Valério em tempo de guerra. O palco é Florença e a dolorosa experiência do jovem é sempre arrebatadora e mostrativa de uma cidade com as suas intrigas e gentes.

A tradução e o informado prefácio são de Alfredo Margarido; a capa é de Victor Palla; a composição e impressão de junho de 1961. Apareceu sob o nº 9 da coleção "autores estrangeiros" da Editora Arcádia.

2012-09-16

Apresentação do livro "O estudante de Coimbra" de Guilherme Centazzi


Localização: Sala de S. Pedro da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
Início: 20-09-2012
Fim: 20-09-2012

O Centro de Literatura Portuguesa e a Editorial Planeta apresentam a nova edição do livro O Estudante de Coimbra de Guilherme Centazzi (1808-1879). A apresentação será feita pela Doutora Ofélia Paiva Monteiro e pelo escritor Pedro Almeida Vieira, responsável pela presente edição e pela fixação do texto, a partir da edição original de 1840, e terá lugar no dia 20 de setembro de 2012, na Sala de S. Pedro da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, pelas 18.30.








2012-09-15

"Liberdade, onde estás?" [de Manoel Maria de Barbosa du Bocage]


Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo que desmaia.
Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal, que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!

[Manoel Maria de Barbosa du Bocage]

[manifesto]


[manifesto]

da súplica ao grito corre a marcha
torcicolando por estreitas vias
roucas as vozes de nós irrompem
escritas também em manifesto…

como cansados os corpos brilham
solares quentes corações assim
no chão sangrando plantas e voz
em eco sendo cartaz de amanhã…

passado o dia a manhã sorri dentro.