2010-07-15

Mar de livros (um): "O farol de amor" de Rachilde (1860-1953)

Em breve, um estoiro dentro dos tímpanos dir-te-á o modo conveniente da literatura. Usurpados, os risos mais brandos são alfinetes, incisões oblíquas na pele, como um relâmpago dentro do mar.
E de mar falamos porque o tempo segue estival e existem livros assim, estimulantes e esquecidos. Pouco lida e traduzida em Portugal, Rachilde colheu a glória da sua época e legou-nos algumas criações estranhizantes e actuais. É o caso deste Farol do Amor (O) (La Tour d'Amour), saído em 1987, na Editorial Estampa, dentro da colecção "Livro B", com tradução de Aníbal Fernandes.
"Loucura ardente e vermelha", que assim diz Léon Bloy a literatura de Rachilde, este Farol é uma história de mar e de solidão. Publicado o romance pela primeira vez em 1899, os tempos que passam dizem-no actualíssimo e estimulante, para tal contribuindo a toada necrófila do tio Mathurin, que violava cadáveres que ao farol afluíam por força dos naufrágios e guardava mesmo, com o máximo da ternura, uma cabeça feminina dentro de um frasco que escondia ciosamente em dependência hermética e inacessível.
Desafiante, mais de cem anos passados sobre o advento, e sem forçosamente concordar com a asserção de Huysmans que considera Rachilde a única mulher das letras que é, realmente, um escritor, esta ficção fala-nos da fúria dos ventos e das águas marítimas como poucos escritores o fizeram. Neste mar há uma história de amor que continua a ser contada, renovando-se nas imagens utilizadas todo o rito da criação. Fundo um farol fende a noite e as claras águas que o abraçam.
Rachilde (1860-1953) manteve relações de criação com o escritor conservador e monárquico Homem Cristo Filho, escrevendo ambos em parceria dois romances, disso dando notícia, por exemplo, a luminosa Judith Teixeira na sua revista Europa. 

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