2009-05-31

frase da noite

Eu sou o caminho, a verdade e a vida.

Jo 14, 6

2009-05-27

Viseu, 12 de Agosto de 1948: Aquilino e a ponta do fio


Viseu rebentava debaixo do calor da tarde. Aqui ao lado, nem muito longe, Aquilino, em aposição indelével – e olhe-se o título deste texto -, inscrevia uma data, uma cidade e um nome em Cinco Réis de Gente, livro publicado nesse ano de 1948 e claro exemplo do bildungsroman que o Autor cultivou e recriou em, pelo menos, mais três casos maiores.
Aquilino está na literatura sob o signo de Aracne. Tecendo e bordando, em jeito de prosador sem par, o fio da urdidura passa e repassa por temas e motivos, por sítios e lugares, libertando marcos geodésicos e orientações. Na ponta do fio, a nossa cidade espraia-se desde sempre no fogo aquiliniano e esses sinais electivos, disseminados por uma obra vasta e perene, logo transbordam ao mais breve contacto.
Como Aracne, também Aquilino estava certo do seu talento, pouco se dando à influência. Pesa aqui o juízo de Pessoa, que, em carta a Adriano del Valle e referindo-se a Jardim das Tormentas e Filhas de Babilónia, refere serem os mencionados livros daqueles que “vale a pena ter” e que, não obstante a menor perfeição estrutural das narrativas face às de António Patrício, são obras de “um grande prosador”. Os assertos são de Pessoa e isso só pode ter um peso, e grande…
O relativo isolamento literário de Aquilino é, a meu ver, uma torre de marfim que o escritor construiu e desejou. “Sem família” no passado, dentro de uma teia poderosa, o futuro transmutou o passado e no espectro literário é comum ouvir-se falar de escritores “à Aquilino”, e isso é claramente uma posição original, superior, livre e desobrigada, com um claro-escuro que é vida e sobrevivência.
Dentro do mito, Aracne, hábil e auto-confiante, tece, borda, desafia, revolta-se, denuncia e quase morria pela sua perfeita arte de entretecimento, acossada pela naveta de Palas; junto ao mito que procria, Aquilino, urdindo formosa teia, em jeito sanchiano que assinalei na revista aquilino, continua a escrever depois da morte.
De Julho a Agosto de 1948, de Lisboa a Viseu, é este romance Cinco Réis de Gente, que Aquilino assinou no coração da cidade e que faço correr nos meus dedos, uma peça fundamental no festim da aranha aquiliniana: do desafiante começo à Francisco Sanches ao enigmático final de estranha contemplação há um tapete simbólico que nos fita convidando-nos à memória e ao sonho, “até nos sumirmos no côncavo do caminho”. Assim, como nesse início de 27 de Maio de 1963…
Viseu, ao pequeno-almoço de 22 de Maio de 2009

[Agradecimentos a Rui Macário, pelo espaço, e a Jerónimo Costa, pelo incremento e pela voz.]

Shantala Shivalingappa, hoje, no Teatro Viriato


GAMAKA
Shantala Shivalingappa
Recital de kuchipudi para quatro músicos e uma bailarina



FAÇA JÁ A SUA RESERVA!!

qua 21h30 80 min. s/ intervalo
Preços: B (7,5€ a 15€) / Jovem 5€m/ 12 anos
ESPAÇO CRIANÇA DISPONÍVEL
O Kuchipudi é uma dança clássica indiana que combina momentos de pura dança e momentos narrativos baseados na mitologia hindu. Shantala Shivalingappa é uma das melhores intérpretes desta forma de arte.

2009-05-25

2009-05-24

SOBRE UM LIVRO DE ANTÓNIO GIL: UMAS POUCAS PALAVRAS DE UM EDITOR SEM NOME

SOBRE UM LIVRO DE ANTÓNIO GIL: UMAS POUCAS PALAVRAS DE UM EDITOR SEM NOME

Afinal, não houve um regresso a casa, como nos poemas de Rilke. E ainda bem, porque as palavras de uma homenagem devem ser as dos agentes principais, as dos poetas, só eles merecedores do afeto vindo de dentro, do avesso da pele e do calor do sangue - e quantas vezes as palavras se tingem dessa seiva!

Quase sempre os poetas essenciais cruzam com editores desleixados e ausentes. Eu sou um caso, reconheço, até porque verdadeiramente a edição me coube por sortilégio do Autor e por genética criativa que abraço, que profundamente estimo. Nada sei, pouco sei, no entanto, sobre os corredores do comércio da mercadoria espiritual. E essa é uma falha que a mim se deve e nada tem que ver com o editado, que melhor sorte merecia para o seu Canto desabitado, livro que é canto - canto luminoso, sábio e euforicamente sombrio.

Canto desabitado é o primeiro e, para já, único livro editado pela revista Ave Azul, e integra a colecção “Coisa que não existe”, nomeação que persegue as fundas pegadas de Teixeira de Pascoaes. Considero-o um livro fulgurante e intenso.

Ler poesia e escrevê-la carecem de um “oeil vivant”, como o diz um Jean Starobinski. E desse esforço produtivo resulta uma lição adveniente do poeta checo Jan Skacel: a de que “O poema está algures lá atrás / Há muito muito tempo que lá está / O que o poeta faz é descobri-lo”. Tal olhar e tal capacidade superabundam em António Gil, como, aliás, já o terei dito aqui e na Biblioteca D. Miguel da Silva, in praesentia.

Canto desabitado biparte-se em ruído silêncio e em ecos. Estranhiza-se ainda no primeiro partimento, pela introdução do desvio opticografemático do itálico nos poemas 2, 14, 16 e 19. Abre-se em ostensivo fanal, ultrapassada a represa inicial de “ainda deve ser Outono”. E tal corrente aberta cruza o grotesco em eufonia aliterante e simbolista, para logo passar, mais sutura do que rompimento, para uma toada presencista e surrealista, com laivos cesarinos – leia-se, v.g., “árvores tortas descem, em câmara lenta, sob a neblina, estradas sombrias, ruas mortas” (p. 7). Antes, um pouco antes, iniciava-se o rito, em itálico, de um insalvífico homem e sujeito poético pensante que passa “sem família” pela vida admonindo e admonido da sua condição de perdedor isolado: “nada te salva ou resgata: // caminhas sem porto / sem ponto de partida // estás só meio-vivo na vida” (p. 6). Depois, um pouco depois, prossegue um desfile caótico de objectos e coisas constituídos aqui actores de uma ordem surreal, absurdamente metálica, assustadora e devastada. Apocalípticos, os sítios e os lugares afundam-se, negros e esventrados, enquanto a deflagração irónica toma o texto, criticando incisivamente as mundanas paixões e os novos poderes facilitadores. E entre o ruído da exterioridade e a porosidade interna, entre as duas condições textuais apresentadas pelo Poeta na primeira parte surge então um laço trabalhado por um mundo fulgurante de devastação e de devoração.

Desalento, silêncio e desmemória são, enfim, as ambiências espirituais de uma luta entre a liberdade e o servilismo, como o parece comprovar aquele indagativo passo que sobre o leitor age:

…mas como, como trocarias tu, tuas soberanas tristezas por vassalas alegrias, tuas imperiais fraquezas, por servis valentias, tuas nobres incertezas por escravas garantias? (p. 24)

Nem seria preciso pensar em Leavis e Steiner para dizer que todo o acto crítico é avaliativo e resultante de uma escolha. E aqui resta ainda dizer que este acto hermenêutico é singularmente único: quantas vezes, afinal, um editor colhe assim uma oportunidade de dizer umas poucas palavras sobre um amigo fundo que é desde há muito um imenso poeta e um habitante de uma casa que sinto ainda como minha, como nossa?

O texto vai longo e, como diz Bloom, nós somos “o nosso único método” de leitura. Nada do que pudesse eu dizer teria interesse sem um trabalho inicial que a todos cabe. Ler poesia e os poetas é amar. Sem decifração total, os ecos gilianos são uma espécie de metal fundente que tornam transparente uma arte poética originalíssima: na oficina, in medias res, como na melhor épica, o Poeta recolhe no sangue o fulgor que rápido sobe à pele, em si espalhando o alarme de três décadas de verbo iluminado. Em António Gil, imagem de hoje e de ontem que se me encrava, a poesia brota dos punhos e do fascinante, rápido e coruscante olhar. Em passos breves, aéreos, ouço sempre os seus passos na noite aberta no tempo. Fendente, um relâmpago cobre-nos o passado. E são palavras no sangue, doces explosões de luz, um riso plantado nas tílias do Rossio. Como esquecer o que é vivo, Gil? Como esquecer esse teu jeito indagador, profundo, tenso e solidário, a todos oferecendo um explicit textual tão iluminante e belo como o subsequente:

entre paisagens e noites de gasto esforço, de viagem em viagem, o escorço se fez curso, nas margens do vento, colho a vagem e a semente que recolhe ao solo que escolho. nele acampo e sonho a tenda que levanto: esse o campo, onde implanto o rebento que me reinventa e me suplanta… (p. 36)

Transformando-nos, bem se pode dizer que a poesia de António Gil prova existir a “fisiologia da leitura” entrevista por Manuel Gusmão: inscritas no corpo, as palavras do nosso poeta arrepiam e abalam. E assim fica tudo dito e tudo para cada um de vós, leitores, poder dizer.

É um arguto João de Araújo Correia quem, em interessantíssimo Dispensário linguístico, aconselha à brevidade para que se não desfeiteie a língua. Não fui breve, nem sequer cuidadoso, porque um livro bem escrito como este canto merece ser lido no melhor silêncio, por dentro do rumor das palavras.

Viseu, 17 de Maio de 2009,

50 anos que passam sobre a morte de Judith Teixeira

[Homenagem a António Gil, no dia 22 de Maio de 2009 - Escola Infante D. Henrique]

Karina May no be café


2009-05-19

Antony



[martim de gouveia e sousa, panasonic dmc-tz3]

súbita a noite bíblica cai aguçada.

um relâmpago queima os lábios
e o sangue dentro jorra fundo
enquanto uma criança debruçada
nas águas a pique cai sobre a linfa
os pés voando como sábios deuses.

é uma menina chamada jesus, dizem.

2009-05-08

frase da noite

As crianças de hoje são tiranetes. Contradizem os pais, devoram a comida e tiranizam os seus professores.

Sócrates (470-399 a.C.)

[envio de Pedro Aguiar Pinto]

"Camilo Pessanha... um poeta ao longe", por José Valle de Figueiredo




2009-05-03

frase da noite

Sem fé é aquele que se despede quando a estrada escurece.

J. R. R. Tolkien (1892-1973)


[frase enviada por Pedro Aguiar Pinto]

2009-05-02

K2O3 regressam com novo disco


K2O3 regressam com novo disco de originais!
Ulisses (voz e guitarra), Chaves (baixo), Mini (guitarra) e Nuno Costa (bateria), estão de volta às lides discográficas com o novo álbum intitulado "No fio da navalha". Um disco composto por 12 canções, vincadamente punk rock e fieis à linha musical que caracteriza a banda há 15 anos: curto e grosso, directo e sem maquilhagem. Os K2o3 tanto colocam o dedo na ferida de forma mordaz e irónica, como é exemplo o tema "Ovelha Negra", como também revelam uma atitude mais divertida, como acontece no tema "Namorada".
É um disco muito radiofónico, repleto de potenciais singles, para cantar do princípio ao fim.
Alinhamento: Abismo, Lama, Ovelha Negra, À espera de nada, Namorada, Olhos nos olhos, Beco sem saída, Faca, Miragem, Vira-lata, Mais ou menos, Silêncio (instrumental).
BIOGRAFIA
Oriundos de Santiago do Cacém e apadrinhados pelos Xutos&Pontapés em 1996, os K2o3 lançam pela mão de TIM e com edição da EL TATU, o álbum de estreia intitulado "És Capaz". A banda faz várias primeiras partes dos Xutos, vários concertos de norte a sul e em 1999 editam o segundo trabalho de nome "Grita". São actualmente uma das mais respeitadas bandas punk rock nacionais, com o estatuto de banda de culto, que frequentemente tem centenas e por vezes milhares de pessoas nos seus concertos, apesar de actuarem num circuito mais alternativo.
Próximo concerto:
Data: 2 de Julho de 2009
Local: Voz do Operário, Lisboa
Bandas: No Use for a name (USA), Useless ID (Israel) e Difying Control (Por). Os K2o3 irão encerrar as hostilidades.