2008-01-20

Discurso do Santo Padre, Bento XVI, preparado para a visita à Universidade "La Sapienza"


Publicamos de seguida o texto da Alocução que o Santo Padre Bento XVI teria pronunciado no decorrer da visita à Universidade “la Sapienza” de Roma, prevista para quinta-feira, 17 de Janeiro e cancelada na terça-feira anterior.


ALOCUÇÃO DO SANTO PADRE


Magnífico Reitor,
Autoridades políticas e civis,
Ilustres docentes e pessoal técnico-administrativo,
Caros jovens estudantes!


É para mim, motivo de profunda alegria encontrar a comunidade da “Sapienza – Universidade de Roma” por ocasião da inauguração do ano académico. Desde há séculos que esta universidade assinala o caminho e a vida da cidade de Roma, fazendo frutificar as melhores energias intelectuais em cada campo do saber. Quer no tempo em que, desde a sua fundação querida pelo Papa Bonifácio VIII, a instituição estava na directa dependência da Autoridade eclesiástica, quer sucessivamente quando o Studium Urbis se desenvolveu como instituição do Estado italiano, a vossa comunidade académica conservou um grande nível científico e cultural, que a coloca entre as mais prestigiosas universidades do mundo.
Desde sempre a Igreja de Roma olha com simpatia este centro universitário, reconhecendo o empenho, tantas vezes árduo e fatigante, da investigação e da formação das novas gerações. Não têm faltado nestes últimos anos momentos significativos de colaboração e de diálogo. Quero recordar, em particular, o Encontro mundial de Reitores por ocasião do Jubileu da Universidade, que viu a vossa comunidade assumir o encargo não só do acolhimento e da organização, mas sobretudo da profética e complexa proposta de elaboração de um “novo humanismo para o terceiro milénio”.
É-me caro, nesta circunstância, exprimir a minha gratidão pelo convite que me foi feito para vir à vossa universidade para dar uma lição. Nesta perspectiva coloquei-me, antes de mais a pergunta: Que coisa pode e deve dizer um Papa numa ocasião como esta?
Na minha lição em Ratisbona falei, sim, como Papa, mas sobretudo falei na veste de professor daquela minha Universidade, procurando ligar o passado e a actualidade. Na universidade “Sapienza”, a antiga universidade de Roma, porém, sou convidado como Bispo de Roma e, por isso, devo falar como tal. De facto, a “Sapienza” era até certa altura, a Universidade do Papa, mas hoje é uma universidade laica com aquela autonomia que, na base do seu próprio conceito fundador, sempre fez parte da natureza da universidade, a qual deve estar ligada exclusivamente à autoridade da verdade. Na sua liberdade da autoridade política e eclesiástica a universidade encontra a sua função particular, mesmo até para a sociedade moderna que tem necessidade de uma instituição do género.
Volto à minha pergunta de partida: Que coisa pode e deve dizer o Papa no encontro com a
universidade da sua cidade? Reflectindo sobre esta pergunta, pareceu-me que ela inclui duas outras, cuja clarificação deve conduzir por si própria à resposta. É preciso de facto, perguntar-se: Qual a natureza e missão do Papado? E ainda: Qual é a natureza e missão da universidade? Não quero nesta sede, ocupar-vos e a mim numa longa discussão sobre a natureza do Papado. Basta um breve aceno. O Papa é, antes de tudo, bispo de Roma e como tal, em virtude da sucessão do Apóstolo Pedro, tem uma responsabilidade episcopal no que respeita a toda a Igreja Católica. A palavra “bispo” – episkopos, que no seu significado imediato remete para “vigilante”, já no Novo Testamento se fundiu conjuntamente com o significado bíblico de Pastor: ele é aquele que, de um ponto de observação sobrelevado, olha para o conjunto, com atenção ao justo caminho à coesão do conjunto. Neste sentido, tal designação do objectivo orienta o olhar antes de tudo para dentro da comunidade crente. O Bispo – o Pastor – é o homem que toma conta desta comunidade; aquele que a conserva unida, mantendo-a no caminho em direcção a Deus, indicada segundo a fé cristã de Jesus – e não apenas indicada: Ele próprio é para nós a via. Mas esta comunidade, a qual o Bispo toma conta – grande ou pequena que seja – vive no mundo; as suas condições, o seu caminho, o seu exemplo, e a sua palavra influenciam inevitavelmente toda a restante comunidade humana no seu conjunto. Quanto maior for, tanto mais as suas boas condições ou a sua eventual degradação se repercutirão sobre o conjunto da humanidade. Vemos hoje com muita clareza como as condições das religiões e como a situação da Igreja – as suas crises e o seu renovamento – agem sobre o conjunto da humanidade. Assim o Papa, como Pastor da sua comunidade, tornou-se cada vez mais uma voz da razão ética da humanidade.
Aqui, porém, emerge repentinamente a objecção, segundo a qual o Papa, de facto, não falaria verdadeiramente com base numa razão ética, mas traria os seus juízos a partir da fé e por isso não poderia pretender uma validação por quantos não partilham desta fé. Deveremos ainda retornar a este argumento, porque se põe aqui a questão absolutamente fundamental. O que é a razão? Como pode uma afirmação – sobretudo uma norma moral – demonstrar-se “razoável”?
Neste ponto quero relevar brevemente que John Rawls, embora negando à doutrina religiosa compreensiva o carácter da razão “pública”, via nela, todavia, uma razão “não pública”, pelo menos uma razão que não poderia, em nome de uma razão secularisticamente endurecida, ser simplesmente desconhecida para aqueles que a sustentam. Ele vê um critério desta razoabilidade para os outros no facto de que doutrinas semelhantes derivam de uma tradição responsável e motivada, e da qual, no decorrer do tempo, se desenvolveram argumentações suficientemente boas de suporte da doutrina relacionada. Nesta afirmação, parece-me importante o reconhecimento que a experiência e a demonstração no decurso de gerações, o fundamento histórico da sapiência humana, são também um sinal da razoabilidade e do seu significado perene. Diante de uma razão a-histórica que procura autoconstruir-se apenas sobre uma racionalidade a-histórica, a sapiência da humanidade como tal – a sapiência das grandes tradições religiosas – é de valorizar como realidade que não se pode impunemente deitar para o cesto de papés da história das ideias.
Retornando à pergunta de partida. O Papa fala como representante de uma comunidade crente, na qual durante séculos da sua existência amadureceu uma determinada sapiência da vida; fala como representante de uma comunidade que tem consigo a custódia de um tesouro de consciência e de experiência ética importante para toda a humanidade: neste sentido fala como representante de uma razão ética.
Mas agora nós devemo-nos perguntar: E que coisa é a universidade? Qual a sua missão? É uma pergunta gigantesca à qual, mais uma vez, posso tentar responder apenas em estilo quase telegráfico com algumas observações. Penso que se possa dizer que a verdadeira, íntima origem da universidade esteja no desejo ardente de consciência que é próprio do homem. Ele quer saber o que é tudo que o rodeia. Quer verdade. Neste sentido pode ver-se a interrogação de Sócrates como o impulso de que nasceu a Universidade ocidental. Penso, por exemplo - para mencionar apenas um texto – na disputa com Eutifrone, que perante Sócrates defende a religião mítica e a sua devoção. A isto, Sócrates contrapõe a pergunta: “Tu crês que entre os deuses, exista realmente uma guerra, vencedores, terríveis inimigos e combates...Devemos, Eutifrone, efectivamente dizer que tudo isto é verdadeiro?” (6 b – c). Nesta pergunta aparentemente pouco devota – que, porém, em Sócrates derivava de uma religiosidade mais profunda e mais pura, da busca do Deus verdadeiramente divino – os cristãos dos primeiros séculos reconheceram-se a si próprios e ao seu caminho. Tinham acolhido a sua fé não de um modo positivista, ou como a via de saída de desejos não apagados; compreenderam como a dissolução da névoa da religião mitológica para dar lugar à descoberta de que Deus é Razão criadora e ao mesmo tempo Razão Amor. Por isto, o interrogar-se da razão sobre um Deus maior, e também sobre a verdadeira natureza e o verdadeiro sentido do ser humano era para eles não uma forma problemática de falta de religiosidade, mas fazia parte da essência do seu modo de serem religiosos. Não tinham necessidade, portanto, de escolher ou acantonar o interrogar-se socrático, mas podiam, melhor, deviam acolher e reconhecer como parte da própria identidade a busca fatigante da razão para atingir a consciência da verdade inteira. Podia, antes devia, assim, no âmbito da fé cristã, no mundo cristão, nascer a universidade.
É necessário dar um passo ulterior. O homem quer conhecer – quer verdade. Verdade é, antes de mais, uma coisa do ver, do compreender, da theoria, como lhe chama a tradição grega. Mas a verdade não é apenas teórica. Agostinho, ao procurar uma correlação entre as Bem-Aventuranças do Sermão da Montanha e os dons do Espírito mencionados em Isaías 11, afirmou uma reciprocidade entre “scientia” e “tristitia”: o simples saber, disse, torna-nos tristes. E, de facto, quem apenas vê e aprende tudo o que acontece no mundo, acaba por se tornar triste.
Mas a verdade significa mais do que saber: a consciência da verdade tem como objectivo a consciência do bem. Este é também o sentido do interrogar-se socrático: Qual é aquele bem que nostorna verdadeiros?
A verdade torna-nos bons e a bondade é verdadeira: é este o optimismo que vive na fé cristã, porque a esta foi dado conhecer a visão do Logos, da Razão criadora que, na encarnação de Deus se revelou junto com o Bem, como a própria Bondade.
Na teologia medieval houve uma disputa aprofundada sobre a relação entre a teoria e a praxis, sobre a justa relação entre conhecer e agir – uma disputa que aqui não devemos desenvolver. De
facto, a universidade medieval com as suas quatro Faculdades apresenta esta correlação. Comecemos com a Faculdade que, segundo a compreensão de agora, era a quarta, a de medicina. Ainda que fosse considerada mais como “arte” do que como ciência, a sua inclusão no cosmo da universitas significava claramente que era colocada no âmbito da racionalidade, que a arte de curar estava sob a condução da razão e era subtraída ao âmbito da magia. Curar é uma tarefa que reclama sempre mais da simples razão, mas precisamente por isto, tem necessidade da conexão entre saber e poder, tem necessidade de pertencer à esfera da ratio.
Inevitavelmente aparece a questão da relação entre a praxis e a teoria, entre a consciência e o agir na Faculdade de jurisprudência. Trata-se de dar justa forma à liberdade humana que é sempre liberdade na comunhão recíproca: o direito é o pressuposto da liberdade, não o seu antagonista. Mas aqui emerge subitamente a pergunta: Como se individualizam os critérios de justiça que tornam possível uma liberdade vivida em comunidade e servem ao ser bom do homem? Nesse ponto impõe-se um salto no presente: é a questão de como pode ser encontrada uma normativa jurídica que constitua um ordenamento da liberdade, da dignidade humana e dos direitos do homem.
É a questão que nos ocupa hoje nos processos democráticos de formação da opinião e que ao mesmo tempo nos angustia como questão para o futuro da humanidade. Jürgen Habermas exprime, na minha opinião, um vasto consenso do pensamento actual, quando diz que a legitimidade de uma carta constitucional, qual pressuposto da legalidade, deriva de duas fontes: da participação política igualitária de todos os cidadãos e da forma razoável pela qual os contrastes políticos se resolvem. Em relação a esta “forma razoável” ele nota que essa não pode ser só uma luta por uma maioria aritmética, mas deve caracterizar-se como um “processo de argumentação sensível à verdade (wahrheitssensibles Argumentationsverfahren). Está bem dito, mas é muito difícil transformar isto numa praxis política. Os representantes daquele “processo de argumentação” público são – sabemo-lo – prevalecentemente os partidos como responsáveis da formação da vontade política. De facto, esses terão inevitavelmente em mira, sobretudo a obtenção de maiorias e quase inevitavelmente os interesses que prometem satisfazer; tais interesses são, muitas vezes, particulares e não servem verdadeiramente ao conjunto. A sensibilidade para a verdade é sempre de novo subjugada pela sensibilidade para os interesses. Eu acho significativo o facto que Habermas fale da sensibilidade pela verdade como elemento necessário no processo de argumentação
política, reinserindo assim o conceito de verdade no debate filosófico e no debate político. Mas agora torna-se inevitável a pergunta de Pilatos: O que é a verdade? E como se reconhece? Se por isto se re-envia à “razão pública”, como faz Rawls, segue-se necessariamente ainda a pergunta: O que é razoável? Como é que uma razão se demonstra como razão verdadeira?
Em qualquer caso, torna-se evidente que, na busca do direito da liberdade, da verdade da justa convivência devem ser auscultadas instâncias diversas com respeito a partidos e grupos de interesse, sem com isto querer minimamente contestar a sua importância.
Voltemos assim à estrutura da universidade medieval. Ao lado da Faculdade de jurisprudência estavam as Faculdades de filosofia e de teologia, a quem era confiada a investigação sobre o ser homem na sua totalidade e com isto a tarefa de ter esta sensibilidade pela verdade. Poder-se-ia dizer, deveras, que este é o sentido permanente e verdadeiro de ambas Faculdades: serem guardiãs da sensibilidade pela verdade, não permitir que o homem seja desviado da busca da verdade. Mas como podem elas corresponder a esta tarefa? Esta é uma pergunta na qual é preciso laborarmos constantemente e que não é nunca colocada e resolvida definitivamente. Assim, neste ponto nem sequer eu posso oferecer propriamente uma resposta, mas antes um convite a permanecer em caminho com esta pergunta – em caminho com os grandes que ao longo de toda a história lutaram e procuraram, com as suas respostas e as suas inquietações pela verdade, que permanece continuamente do lado de lá de cada resposta singular.
Teologia e filosofia formam um peculiar par de gémeos, no qual nenhuma delas pode ser destacada totalmente da outra e, todavia, cada uma deve conservar o seu objectivo próprio e a própria identidade. É mérito histórico de S. Tomás de Aquino – diante da diferente resposta dos Padres por causa do seu contexto histórico – de ter posto em evidência a autonomia da filosofia e com essa o direito e a responsabilidade própria da razão que se interroga com base nas suas forças. Diferenciando-se da filosofia neo-platónica, em que a religião e a filosofia eram inseparavelmente entrelaçadas, os Padre tinham apresentado a fé cristão como a verdadeira filosofia, sublinhando também que esta fé corresponde à exigência da razão em busca da verdade; que a fé é o “sim” à verdade, com respeito às religiões míticas tornadas simples tradições. Mas depois, no momento do nascimento da universidade, no Ocidente já não existiam essas religiões, mas apenas o cristianismo e assim era necessário sublinhar de modo novo a responsabilidade própria da razão, que não vem embebida na fé. Tomás encontrou-se em acção num momento histórico privilegiado: pela primeira vez os escritos filosóficos de Aristóteles eram acessíveis na sua integridade; estavam presentes os filósofos hebraicos e árabes, como apropriações específicas e prossecuções da filosofia grega. Assim, o cristianismo num novo diálogo com a razão dos outros, que vinha encontrando, devia lutar pela própria razoabilidade.
A Faculdade de filosofia, assim chamada “Faculdade dos artistas”, que até àquele momento era apenas propedêutica à teologia, torna-se então uma verdadeira Faculdade, um partner autónomo da teologia e da fé nesta reflexão. Não podemos deter-nos no fascinante confronto que daqui derivou. Direi que a ideia de S. Tomás acerca da relação entre filosofia e teologia poderia ser expressa na fórmula encontrada pelo Concílio de Calcedónia para a cristologia: filosofia e teologia devem reportar-se entre elas “sem confusão e sem separação”. “Sem confusão” quer dizer que cada uma deve conservar a própria identidade. A filosofia deve permanecer verdadeiramente uma procura da razão na própria liberdade na própria responsabilidade; deve ver os seus limites e também a sua grandeza e vastidão. A teologia deve continuar a atingir um tesouro de consciência que ela própria não inventou que sempre a supera e que, não sendo nunca totalmente exaurível mediante a reflexão, precisamente por isso, guia sempre de novo o pensamento. Junto com o “sem confusão” vigora também o “sem separação”: a filosofia não recomeça de cada vez do ponto zero do sujeito pensante de modo isolado, mas está no grande diálogo da sapiência histórica, que ela criticamente e ao mesmo tempo, docilmente acolhe e desenvolve sempre de novo; mas também não deve fechar-se diante ao que a religião e em particular a fé cristã receberam e deram à humanidade como indicação de caminho. Várias coisas ditas por teólogos ao longo da história ou então traduzidas na práticas das autoridades eclesiásticas, foram demonstradas falsas e hoje confundem-nos.
Mas ao mesmo tempo é verdade que a história dos santos, a história do humanismo que cresceu tendo por base a fé cristã demonstra a verdade desta fé no seu núcleo essencial, tornando-a com isso, também, uma instância para a razão pública. É claro que, muito do que dizem a teologia e a fé só pode ser feito no interior da fé e, portanto, não pode apresentar-se como exigência para aqueles perante quem esta fé permanece inacessível. Porém, é verdade que, ao mesmo tempo que a mensagem da fé cristã não é nunca apenas uma “comprehensive religious doctrine” no sentido de Rawls, mas uma força purificadora para a própria razão à qual ajuda a ser mais ela própria. A mensagem cristã, tendo por base a sua origem, deveria ser sempre um encorajamento em direcção à verdade e desse modo, uma força contra a pressão do poder e dos
interesses.
Pois bem, até agora só falei da universidade medieval, procurando todavia deixar transparecer a natureza permanente da universidade e da sua missão. Nos tempos modernos revelaram-se novas dimensões do saber que na universidade são valorizadas sobretudo em dois grandes âmbitos: antes de mais nas ciências naturais, que se desenvolveram com base na conexão da experimentação e da pressuposta racionalidade da matéria; em segundo lugar, nas ciências históricas e humanísticas, em que o homem, perscrutando o espelho da sua história e esclarecendo as dimensões da sua natureza, procura compreender-se melhor a si próprio. Neste desenvolvimento abriu-se à humanidade não só uma medida imensa de saber e de poder; cresceram também a consciência e o reconhecimento dos direitos e da dignidade do homem e quanto a isto só podemos estar gratos. Mas o caminho do homem não pode nunca dizer-se completo e o perigo da queda na desumanidade nunca está simplesmente esconjurado: como o vemos no panorama da história actual! O perigo do mundo ocidental – para falar apenas deste – é hoje que o homem, tendo em consideração a grandeza do seu saber e poder, ceda diante da questão da verdade E isto significa ao mesmo tempo, que a razão, no fim, se dobra diante da pressão dos interesses da atracção da utilidade, constrangida a reconhecê-la como critério último. Dito do ponto de vista da estrutura da universidade: existe o perigo que a filosofia, não se sentindo já capaz de levar a cabo a sua verdadeira tarefa, se degrade em positivismo; que a teologia com a sua mensagem remexida pela razão, fique confinada à esfera privada de um grupo mais ou menos grande. Se porém, a razão – solicitada pela sua presuntiva pureza – se torna surda à grande mensagem que lhe vem da fé cristã e da sua sapiência, seca como uma árvore, cujas raízes não chegam à agua que lhe dá a vida. Perde a coragem da verdade e assim não engrandece, mas torna-se mais pequena. Aplicado à nossa cultura europeia isto significa: se ela quer só auto-construir-se com base no círculo dos próprios argumentos e no que no momento a convence e – preocupada com a sua laicidade – se destaca das raízes das quais vive, então deixa de se tornar mais razoável e mais pura, mas desorganiza-se edespedaça-se.
Com isto retorno ao ponto de partida. O que é que o Papa há de fazer ou dizer na universidade?Seguramente não deve procurar impôr aos outros de modo autoritário a fé, que só pode ser dada em liberdade. Do seu ministério de Pastor na Igreja e com base na natureza intrínseca deste seu ministério pastoral é sua tarefa manter a sensibilidade pela verdade; convidar sempre de novo a razão a pôr-se em busca do verdadeiro, do bem, de Deus e, neste caminho, solicitá-la a distinguir as luzes úteis recebidas como herança ao longo da história da fé cristã e a perceber assim Jesus Cristo como a Luz que ilumina a história e ajuda a encontrar o caminho em direcção ao futuro.


Do Vaticano, 17 de Janeiro de 2008
[agradecimentos a Pedro Aguiar Pinto]

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