2018-03-29
Hoje, vavadiando com António ManuelRibeiro
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martim de gouveia e sousa
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29.3.18
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António Manuel Ribeiro,
UHF
2018-03-14
Para o CD «Doença» dos Basalto
Para o CD «Doença» dos Basalto escrevi o que se segue.
DA DOENÇA
Em chamas, o corpo não dorme, nem vive – jaz. Declina-se na
agonia dos líquidos, afunda-se na voragem do sangue, entrega-se ao tropel dos
órgãos desafinados. Como numa velha metrópole, é nos bairros mais conhecidos
que a doença ataca. Vieram as chuvas e dentro de mim há uma queimada imensa,
uma cicatriz vulcânica que me fere concisa como aguda lâmina na pele.
Em chamas, à tona, o suor encobre as labaredas, o lento
bocejo das artérias, o rigor dos vinhos e demais ardências. Arde o coração
nessa voragem, os líquidos à pele trazem a exorbitância dos odores, o acre da
doença em volta roendo os orifícios dérmicos, as frestas certas das feridas, o
carvão dos ritos dos caules à raiz do cérebro, todos os solos por arar na
levitação dos sonhos, as constelações nas unhas sangrantes.
Uma bicada súbita adormece-te a pálpebra, a dormência irrompe
e lavra-te os lábios, cascos velhos apodrecidos no acridoce do hálito, sem
flores os olhos estacam na distância. Será o último tempo assim, uma rede sem
rede no meio do fogo? Nesse trilho ardente rebento-me de angústia, qual morte
sem semente expludo na noite e nos órgãos indendiados, bebo do sangue ardente o
inferno de mim, esta faca que me murmura a dor e o labirinto.
Em explosão, és pó e noite, cercado de abismos e chamas.
Guarda-te de ti, encosta-te às vedações e abandona-te à barca que se afunda.
Dentro, os redemoinhos de sangue exultam no bulício das foices, nos golpes
fundos da dor. Da pele um vómito enjoa na noite o teu olhar ferido e os remos
dos teus braços esboroam-se aflitos. Uma dor incerta percorre milimetricamente
a amplitude do teu corpo, desgaça-lhe a inteireza e é um torvelinho de gume, um
zumbido de moscas, uma veia vasando-se no chão.
O carrossel das chamas avança como um cadáver ao acaso nos
olhos. O rasto da pólvora escreve DOENÇA e os cavalos das trevas implodem no
centro da cabeça, onde esgares de lume iluminam as sombras maiores. Fechado,
enclausurado de mim neste breve leito, assisto - os líquenes apodrecem de
cansaço, um tempo branco exala de matérias purulentas e todos os muros são mais
do que quaisquer pântanos. Dói este ruído fundo, este modo poído de naufrágio.
Vazio, que espaço para este corpo, que lugar para esta ferida, que água para
este fogo?
E agora há um incêndio nas vísceras, ceguez e impuridade,
descamações e fantasmas, um poço de cimento na garganta, um cardume de setas no
fígado. Expludo de nada, de usura pútrida, de narinas ensanguentadas pelos
vidros da doença. Estico os músculos, distendo os membros de barro na enxerga,
debruço-me para dentro até ao limiar do coração onde uma tímida agulha se
acolhe. Dói, rói em mim um mal que me rasga as veias e me sufoca os pulmões. Em
poço assim fundo, como posso dentro de água respirar com uma faca contundente
nos lábios, nos dentes, em mim.
Abandono-me nesta ilha de lázaro. Vou trincando o tempo voraz
quebrando o vidro das esquinas, os átrios dos momentos por abrir, parado
dentro, ouvindo o crepitar das vidraças contra o anzol dos dentes. A prumo, a
acédia cavalga nos rios do corpo, avança pelos fanais íntimos, trazendo o
nevoeiro do fim. Comidos os olhos no seu reverso, pouco resta de luz neste
holocausto. Nem a pedra sobre o peito é já muro, antes espada cravada no dorso
como trabalho da morte. O coração em chamas fala de cinzas e de sombras. De
abismos. Dos olhos brotam as águas, os líquidos do corpo em falência
transbordam na cama, inundam o leito de odores e de muros.
E a fuga agora? Deserto, atiro-me na voragem, fico-me nas
roupas onde a pequenez de mim mais se afunda. Ninguém quer ser mártir, falir no
chão como todos os animais, marcar assim a morada sem memória. É neste chão de
lume que ardo, na pretidão de tudo, no peso devastador dos olhos, nas pedras
abertas sobre os pulsos. Entreolho pelas fendas da pele e os frutos de mim caem
nas sombras como asas pesadas de cansaço. E nem o vómito súbito e pressentido
aligeiram a vacuidade do mundo. Falo em chamas do que sinto e sinto-me um
fóssil incrustado neste silêncio. Voraz, voraz silêncio que ouço.
Ruína sobre ruína, apodreço vivo, miséria sobre miséria, jazo
morto e sinto-o, porque adormecido vivo nesta terra derruída. Neste fundo chão
olho-me, grito-me para dentro em agonia, sentindo um grande seixo sobre mim. E
ardo, continuo em chamas, seco de tanto arder, sou já um corpo comburente com
uma âncora aos pés. Sem força, corpo seco de incorpóreo, enjoo sobre o chão com
um ácido dissolvente nas maxilas.
Quase ardo como Elias em chamas. Ao céu ascendo e no chão
caio. Peso mais que o aço, os braços afundam-se como guindastes adulterados. Os
dedos agudizam-se em lâminas e o suor é orvalho sobre chamas. Como uma pinha na
infância o crânio estala, abre-se ao dia, ao fulgor da estiolação, e nas
artérias fluem pinhões esmagados, gumes penetrantes. Duas chagas nos olhos a
morte dizem. Que fazer agora?
Agonizo a um canto de mim, a um canto da vida apodreço dentro
da casa, caído ao soalho como a fundo poço. Sem asas e águas, atravesso a
língua dormente com a fina agulha do tempo, rebento dentro da febre das veias,
nos interstícios dos órgãos sou bolor e açoite, dor anoitecida, breu exangue
sem cinzel de luz. A casa no chão, o coração na boca, os dedos no inverno.
Nunca tão grande incêndio se viu…
Nesta noite convulsa, sinto a geada nos dedos, as crateras da
doença escavam nas províncias do corpo, um vinho se sangue ferve-me nas veias,
uma lava incisa escorre-me da boca e vai queimando a flor dos lábios. Corrupto
agora, o nariz purulento corrompe-se nos braços da esteira, um rumor líquido
rebenta nas crateras tumorais e só a monção da fadiga aplaca a imóvel cicatriz.
Percutem nas têmporas os venenos aziagos, dissolve-se a consistência dos ossos,
aceito o suicídio como pena branda.
Preparo-me neste quarto em silêncio, acendo nas minhas chamas
a chama da solidão, febre e peste são a minha sina. Como cansa esta cinza, como
dói este gume, como rebenta este coração! Nesta cama celular afundo preso aos
solutos e cicutas reparadoras, acero as forças do fundo de mim, intuo a
poluição do sangue, a escassez de tudo e a impossível rotação até aos vidros do
alto prédio. Frágil como vidro ergo o cálice, a última vontade de um cérebro em
chagas. Talvez a aflição turva que me assola permite afastar a poeira da morte
por breves instantes, talvez tenha força ainda para imitar o poema grego e o
fabuloso salto para o mar descomedido, talvez assim a espuma do sossego, o
fundo de tudo, este cão dentro de mim em dezembro. Devastado, arrasto-me até à
janela, os destroços da cidade ao fundo, o abismo da altura em mim, a neve a
prumo no peito. Talvez este fogo e um rio de sangue. Talvez agora. Talvez a
morta cinza…
em dezembro de 2017
Martim de Gouveia e Sousa
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martim de gouveia e sousa
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2018-01-15
2017-12-23
Lembrar «Oblívio» de Daniel Jonas...
Lembrar «Oblívio» de Daniel Jonas...
É um dos livros do ano, claro! A toada sonetista de Daniel Jonas é surpreendente, numa medida quase saturada pelo uso. Como um epimítio, o uso sem abuso ensina que a surpresa nasce da surpresa e no estro. Permite este Oblívio sonetos como o que transcrevo:
AQUI NESTA TEBAIDA, OUÇO A PAZ.
Aceito a tua luz, o teu negrume,
Meus olhos são pastagens p'ra teu estrume,
Aceito o que me deres e o que não dás.
Eu ouço a metafísica das sarças,
As bruxas megalíticas das argas,
Reviro pedras, lágrimas amargas,
Procuro-te nos paus, nas rãs, nas esparsas.
Aceito que te busque e não me fales.
Onde estarás: na urze, na perpétua,
No verso mais perfeito, em rima incerta?
Aceito ouvir-te e tudo me cales.
À uma és e não; o tudo e o quase.
Em toda a parte estás, eclipse e fase. [p. 41]
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martim de gouveia e sousa
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23.12.17
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criação poética
2017-10-29
Pensamento assistido por Margery Allingham
Assim diz a escritora: «O principal numa autobiografia, sempre o pensei, é não deixar que a modéstia se intrometa e estrague a história.» [Margery Allingham, Homicídio no campo, Lisboa, Círculo de Leitores, 1990, p. 7.]
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martim de gouveia e sousa
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29.10.17
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pensamento assistido
2017-09-28
poema para fernando mouga: viseu, 1949
poema para fernando mouga: viseu, 1949
nas margens do tempo, dentro da luz,
há gavetas, arquivos, cintilações, assombros.
talvez uma flauta imaginante, de alados dedos,
pudesse ferir esta memória, torná-la jardim
e chão de terra perante os olhos levantado.
vibrante o mundo parado espera. na coroa
opaca do dia há um encontro em julho,
uma pétala de missão na sombra do sangue:
álvaro cunhal caminha para fernando mouga
neste viseu de 1949 em busca de
uma imagem,
de uma fotografia sua para escrever um rumo.
mas antes houve um abraço, um mar alto…
era necessário encontrar na cidade um fotógrafo
e mouga à rua saiu neste dia assim como breve rosa
procurando o lugar, com cunhal no clube de viseu
e as vimeiro com salsaparrilha no hálito de ambos…
da conversa com o fotógrafo germano o assombro,
uma rosa vermelha nesta terra antiga: fazer era fazer.
mouga e cunhal reencontram-se e vertiginoso farão,
nos abismos do dia, um caminho de uns quantos metros,
distanciados ambos, pela rua dita formosa e principal.
esta rosa, esta memória deflagrante escreve-se no fogo.
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martim de gouveia e sousa
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28.9.17
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Álvaro Cunhal,
Fernando Mouga,
Germano
2017-09-19
O futuro de Aquilino - a premonição de Almeida Azevedo
Beijando a mão de Sua Majestade O Rei, O Senhor Dom Manuel II, António Emílio de Almeida Azevedo, em carta emanada do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, em 13 de maio de 1910, oferecia-se para ir a Paris interrogar o emigrado Aquilino Ribeiro. Assim diz o ilustre magistrado:
«Vossa Majestade quere que eu vá ámanhã a Paris falar com o Aquilino? Por êste, sim, podemos saber tudo.» [sic]
É uma premonição fantástica, esta, a de Almeida Azevedo - afinal, como não entrever o fulgurante múnus atirado contra os nossos olhos. Vamos juntos, leitores, e mergulhemos na literatura de vastos horizontes.
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martim de gouveia e sousa
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Aquilino Ribeiro
Prémio Aquilino Ribeiro 2017
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martim de gouveia e sousa
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Aquilino Ribeiro / CEAR
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